Intervenção fisioterapêutica em fratura lombar

Introdução

    As lesões agudas da coluna e medula espinhal estão entre as causas mais freqüentes de incapacidade grave e morte após o trauma (BOHLMAN, 1979). Metade dos traumatismos é decorrente de acidentes com veículos motorizados, quedas, acidentes de trabalho, esportivos, e outros decorrentes de ferimento por armas de fogo (BRUNI et al., 2004).

    Noventa por cento de todas as fraturas na coluna vertebral ocorrem na região toracolombar e as fraturas explosivas representam cerca de 10% a 20% dessas lesões (WOOD et al., 2003). As fraturas toracolombares podem ser decorrentes de traumatismo de alta energia ou de traumatismo menos importante associado à osteoporose (HOPPENFELD & MURTHY, 2001).

    As fraturas explosivas são causadas principalmente pela aplicação de carga axial, como numa queda de altura elevada. Essas fraturas caracterizam-se pelo envolvimento das colunas anterior (ligamento longitudinal anterior e região anterior do corpo vertebral) e média (parte posterior do corpo vertebral e ligamento longitudinal posterior), com graus variáveis de retropulsão óssea para o interior do canal e compressão medular (HOPPENFELD & MURTHY, 2001).

    O tratamento cirúrgico tem sido indicado nos pacientes que apresentam lesão neurológica, compressão do canal vertebral superior a 50%, redução da altura do corpo vertebral maior que 50%, cifose superior a 30º ou translação vertebral, sendo estes sinais 2 indiretos de instabilidade do segmento vertebral (DEFINO et al., 2000) . Nesses casos em que há deficiência neurológica, o tratamento visa obter uma restituição neurológica mais completa e rápida possível (SOREFF et al., 1982).

    Segundo Hoppenfeld & Murthy (2001), o tratamento cirúrgico das fraturas espinhais consiste de diversos procedimentos de artrodese anterior e posterior. As opções cirúrgicas são as seguintes:

  1. Instrumentação e artrodese posteriores;

  2. Enxerto estrutural anterior e fixação por placa;

  3. Corpectomia anterior, enxerto estrutural com ou sem instrumentação e fusão posterior com instrumentação.

    Neste último, a coluna vertebral é abordada pela via anterior e posterior (método de Harms ou fusão intersomática lombar transforaminal), sendo realizada a descompressão do canal vertebral quando necessário e são instrumentadas e artrodesadas apenas as vértebras do segmento vertebral atingido. O método de Harms preconiza a reconstrução da parte anterior da coluna, que é a responsável pelo suporte anterior do peso, com enxerto ósseo corticoesponjoso associado à instrumentação anterior pela face lateral dos corpos vertebrais, e instrumentação transpedicular posterior, na qual os implantes atuam como tirantes de tensão (DELFINO et al., 1997).

    Devido à estabilidade proporcionada pelo método de fixação, a utilização de imobilização externa no período pós-operatório não é necessária (OLIVEIRA et al., 2006).

    A lesão da medula espinhal (LME) ocorre em cerca de 15 a 20% das fraturas da coluna vertebral e a incidência desse tipo de lesão apresenta variações nos diferentes países. No Brasil, a incidência é de aproximadamente quarenta casos novos por milhão de habitantes por ano, com um total de seis a oito mil casos anuais (DEFINO, 1999). Os sintomas variam de acordo com o nível da lesão, a extensão e o tempo do acometimento, sendo ainda classificada como completa, quando as funções motora e sensitiva encontram-se interrompidas abaixo do nível da lesão, e incompleta quando existe função motora e/ou sensitiva preservada abaixo da lesão (CAVENAGHI et al., 2005).

    A fisioterapia assume um papel importante tanto na assistência aguda do paciente com LME quanto no atendimento de reabilitação ambulatorial e orientação domiciliar, com o objetivo de promover maior independência e qualidade de vida ao paciente (SARTORI et al., 2009).

    A reabilitação física de tais pacientes se inicia na fase aguda, através dos cuidados preventivos contra a formação de úlceras de pressão e deformidades dos segmentos "paralisados", esvaziamento vesical e intestinal realizado de maneira adequada e cuidados com os distúrbios vasomotores (SARTORI et al., 2009).

    Este estudo tem, portanto, o objetivo de avaliar os efeitos de uma intervenção fisioterapêutica em um paciente com diagnóstico de fratura explosiva de L2 com déficit neurológico submetido a um longo período de internação hospitalar.

Apresentação do caso

    Paciente C. S., do sexo masculino, 49 anos, foi encaminhado ao Hospital Governador Celso Ramos (HGCR) a 15 de abril de 2010, após queda de 8 m de altura, sem perda de consciência. Imediatamente após a queda, refere ter sentido dor lombar forte com déficit sensitivo parcial e motor em membros inferiores, apresentando Frankel B, o qual indica que o grau de deficiência é incompleto, com função sensitiva, porém não motora preservada abaixo do nível neurológico lesionado estendendo-se até os segmentos sacros S4-S5 (BARROS et al., 1994).

    Ao exame radiográfico foi observada fratura explosiva de L2 com estenose completa do canal vertebral por retropulsão óssea, sem outras lesões associadas. Foi realizado descompressão através de artrodese vertebral posteior (AVP) entre L1 e L3 em 18 de abril de 2010.

    No dia 21 de abril de 2010, foi realizado exame de tomografia onde foi observada a presença de estenose residual decorrente do trauma.

    No dia 28 de abril de 2010 foi iniciada a intervenção fisioterapêutica. O atendimento iniciou-se com a avaliação neurológica motora e sensitiva.

    No dia 03 de maio de 2010, paciente foi submetido à artrodese vertebral anterior (AVA) com colocação de cage intersomático, como complementação da AVP com o objetivo de realizar a descompressão completa do canal vertebral.

    Os medicamentos em uso pelo paciente incluíam: dipirona, tramal, plasil, antak, polaramine e clexane. A dieta era administrada por via oral, com restrições devido ao paciente ser portador de Diabetes Melitus. Paciente apresentava placa de compressão metálica na região do tornozelo devido a uma fratura de tíbia esquerda, decorrente de um atropelamento ocorrido há 18 meses antes da lesão atual.

    Ao exame de sensibilidade, realizado no primeiro atendimento fisioterapêutico (dia 28 de abril), o paciente apresentou alteração referente aos níveis L2, L3, L4, L5, S1 e S2 em membro inferior direito, quando foi testada a sensibilidade dolorosa. Não houve alteração de sensibilidade dolorosa em membro inferior esquerdo, nem em relação à sensibilidade tátil em ambos os membros inferiores.

    Em relação à função motora (tabela 1), foram avaliados os "músculos-chave" dos cinco miótomos referentes aos membros inferiores (DEFINO, 1999):

Tabela 1. Resultados da avaliação da função motora

Miótomo

Força Muscular

L2 (flexores do quadril)

2

L3 (flexores do joelho)

1

L4 (dorsiflexores do tornozelo)

0

L5 (extensor longo dos dedos)

0

S1 (flexores plantares do tornozelo)

0

Plano e objetivos de tratamento

    De acordo com Sartori et al. (2009), a reabilitação de pacientes com LME deve incluir a prevenção de deformidades e complicações, maximização da função muscular remanescente e da função respiratória, treino de transferências e trocas de posturas, manuseio da cadeira de rodas, treino de equilíbrio, aquisição de ortostatismo e possível retorno da marcha com uso ou não de dispositivos ortóticos.

Descrição da conduta adotada para execução do tratamento

    Foram realizadas oito sessões de fisioterapia com 50 minutos de duração. Os atendimentos iniciavam com a aferição dos sinais vitais e testes para Trombose Venosa Profunda (TVP), a qual segundo Bruni et al. (2004) é uma complicação decorrente da imobilidade, predispondo o paciente ao desenvolvimento de embolia pulmonar. No entanto, em todas as sessões o paciente apresentou panturrilhas livres.

    Em seguida, eram realizados exercícios de reexpansão pulmonar (propriocepção e respiração diafragmática, inspiração profunda, sustentação máxima da inspiração por cinco segundos e expiração com freno labial). De acordo com Bruni et al. (2004), os problemas respiratórios estão relacionados com o comprometimento da função pulmonar cuja gravidade depende do nível da lesão. Apesar do paciente estudado não apresentar comprometimento pulmonar decorrente da lesão, as alterações motoras e sensitivas decorrentes de uma lesão medular podem desencadear problemas graves da ventilação e infecções pulmonares crônicas, sendo a fisioterapia respiratória uma importante ferramenta que favorece a recuperação das funções pulmonares após procedimentos cirúrgicos, levando à maior recrutamento alveolar, ao aumento da CRF e melhora na capacidade de difusão, além de evitar o acúmulo de secreções (BRUNI et al., 2004; CAVENAGHI et al., 2005; RENAULT et al., 2009).

    Foram realizados exercícios de fortalecimento isométrico para os músculos abdominais (MARQUES &BIGOLIN, 2007), evitando o movimento de flexão do tronco (HOPPENFELD & MURTHY, 2001); bem como exercícios isotônicos para fortalecimento dos músculos flexores do quadril e glúteos (HOPPENFELD & MURTHY, 2001), estes últimos através dos exercícios de "ponte" (SARTORI et al., 2009). Exercícios de resistência muscular foram realizados nos grupos musculares não afetados pela lesão medular, neste caso os membros superiores, para contribuir com a independência funcional e para aumentar a circulação sangüínea colateral (CAVENAGHI et al., 2005). Foram realizados também exercícios de fortalecimento isométrico da musculatura abdominal, com o objetivo de fortalecer a parede anterior, evitando o desenvolvimento de lordose acentuada e danos ao sistema de instrumentação espinhal (HOPPENFELD & MURTHY, 2001).

    Para a manutenção da amplitude de movimento, com o objetivo de evitar o enrijecimento das estruturas musculotendíneas com conseqüente instalação de deformidades e reverter o estado de contratura existente, foram realizados exercícios de mobilização passiva das articulações do tornozelo e do joelho, bem como alongamento do tríceps sural e quadríceps (HOPPENFELD & MURTHY, 2001; CAVENAGHI et al., 2005).

    Nos primeiros atendimentos, não foram permitidos exercícios com a coluna vertebral, para não causar estresse ao local fraturado (HOPPENFELD & MURTHY, 2001). No entanto, após três dias da cirurgia de AVA, liberação da equipe médica e diminuição do nível de desconforto na incisão cirúrgica (HOPPENFELD & MURTHY, 2001), o paciente foi estimulado a sentar-se na posição vertical com elevação do leito a aproximadamente 80 graus, onde foi realizado treino de impulsão com os membros superiores apoiados no leito.

    No dia seguinte, o paciente foi posicionado em sedestação a beira do leito com os joelhos flexionados a 90 graus e pés apoiados, entretanto, paciente necessitou de apoio dorsal para permanecer na posição. A mesma seqüência foi reproduzida na sessão seguinte, no entanto, o paciente recusou-se a passar da posição de sedestação para a ortostática, devido à insegurança em relação à incisão cirúrgica.

    Ao final do atendimento, realizava-se a massagem de Rosing, a qual é realizada várias vezes no abdômen, no sentido da direita para a esquerda e de baixo para cima com leve compressão após as refeições (BRUNI et al., 2004). Pois, além do dano sensitivo e motor, a lesão medular leva, também, a alterações nas eliminações urinária e fecal devido à perda dos controles esfincterianos vesical e anal com conseqüente mudança no padrão dessas eliminações (PADULA & SOUZA, 2007).

Resultados

    Ao final da intervenção fisioterapêutica, que consistiu de oito sessões, o paciente apresentou retorno da sensibilidade dolorosa no membro inferior esquerdo, esse fato pôde ser observado imediatamente após a segunda cirurgia para descompressão do canal medular (dia 04 de abril de 2010).

    Quanto à função motora, avaliada no dia 11 de abril de 2010 após as oito sessões de fisioterapia, não houve alteração do quadro inicial, ou seja, o paciente continuou com controle apenas dos músculos flexores do quadril nos membros inferiores. No entanto, foi possível observar um aprimoramento em relação ao controle e a força muscular durante a realização deste movimento.

    Os exercícios para a manutenção da força muscular mostraram-se efetivos, pois o paciente não apresentou diminuição da potência muscular, principalmente em relação aos membros superiores.

    O paciente foi posicionado em sedestação com os membros inferiores flexionados para fora do leito com os pés apoiados e suporte dorsal. Tal fato é de extrema importância no processo de reinserção do paciente às suas atividades funcionais.

    O paciente não apresentou complicações associadas ao traumatismo raquimedular e ao longo período de imobilização (úlceras de pressão, trombose venosa profunda, infecções pulmonares), este fato pode ser devido ao trabalho preventivo desenvolvido durante as sessões de fisioterapia.

Considerações finais

    A intervenção fisioterapêutica trouxe efeitos benéficos ao paciente, provando ser uma ferramenta eficiente e necessária na prevenção das complicações associadas a um longo período de internação hospitalar e de deformidades articulares decorrentes da imobilização, na manutenção dos níveis de força muscular e amplitude de movimento tanto das articulações não-acometidas quanto das acometidas pela lesão, como também na reinserção do paciente às tarefas funcionais, utilizando ou não dispositivos auxiliares para tal.

    O fisioterapeuta ainda tem o importante papel de orientar o paciente sobre a sua lesão, ajudando, assim, na conscientização e adaptação do paciente a sua nova condição.

Referências bibliográficas

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  • SOREFF, J.; AXDORPH, G.; BYLUNDI, P.; ODÉEN, I.; OLERUD, S. Treatment of patients with unstable fractures of the thoracic and lumbar spine. Acta orthop. scand. 53, 369-381, 1982.

  • WOOD, K.; BUTTERMAN, G.; MEHBOD, A.; GARVEY, T.; JHANJEE, R.; SECHRIEST, V. Operative compared with nonoperative treatment of a thoracolumbar burst fracture without neurological deficit: a prospective, randomized study. The Journal of Bone & Joint Surgery. V. 85-A, n. 5, 2003.

Autora:

Paula Martins Nunes

paulinhamn7@yahoo.com.br


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