Luxação esternoclavicular: relato de caso e técnica cirúrgica










Introdução

As luxações esternoclaviculares representam menos de 5% de todas as luxações da cintura escapular. A maioria dos casos de luxação anterior da articulação esternoclavicular (AEC) não apresenta sintomas. Entretanto, alguns pacientes podem desenvolver instabilidade anterior crônica e permanecer sintomáticos. Nesses casos é indicado o tratamento cirúrgico. 1 2 and 3

A AEC é mais comumente luxada anteriormente, já que a força necessária para deslocar a clavícula posteriormente é 50% maior devido à maior resistência da cápsula articular posterior. Inúmeras técnicas são descritas para reconstruir a articulação esternoclavicular, como a sutura intramedular, a ressecção medial da clavícula, a fixação com placa, o reforço com o tendão subclávio e reforço com o tendão semitendinoso. 4 5 and 6

A literatura é escassa em relação à reconstrução com uso do tendão palmar longo nos casos de instabilidade anterior traumática. Embora raras, essas lesões merecem diagnóstico rápido e tratamento eficaz para evitar complicações futuras.

O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de um atleta de motocross que evoluiu com instabilidade anterior traumática crônica da articulação esternoclavicular e foi submetido a reconstrução cirúrgica com o uso do tendão palmar longo autógeno.

Relato de caso

Figura 5 Imagem de tomografia computadorizada com reconstrução 3 D (visão inferior) que mostra o deslocamento da AEC. 

Paciente masculino, 33 anos de idade, com história de luxação anterior da AEC após queda durante manobra em um campeonato de motocross. O mecanismo de trauma foi uma queda de aproximadamente dois metros de altura com o braço em abdução e extensão. Inicialmente foi empregado o tratamento conservador, com uso de tipoia funcional por três semanas, e sintomático, além da reabilitação com fisioterapia por três meses. No entanto o paciente evoluiu com dor, desconforto e instabilidade da AEC ao elevar o membro superior acima da cabeça, além de dificuldade de deglutição quando fletia a coluna cervical anteriormente. Não apresentava limitação da amplitude de movimento. Durante o exame físico era visível a luxação anterior com as manobras de abdução e extensão e também ao manipular a extremidade proximal da clavícula ( fig. 1). Os exames de imagem mostraram um deslocamento anterior da clavícula e pequenos fragmentos ósseos periarticulares ( Figura 2, Figura 3, Figura 4and Figura 5).

Figura 1 Fotografia que ilustra a luxação crônica da articulação esternoclavicular do ombro direito. Observar a proeminência do terço médio e medial da clavícula ipsilateral. 

Figura 2 Radiografia na incidência de serendipityna qual se nota um desvio anterior da articulação esternoclavicular direita. 

Figura 3 Imagem de tomografia computadorizada com reconstrução 3 D que mostra o deslocamento da AEC e fragmentos ósseos. 

Figura 4 Imagem de tomografia computadorizada com reconstrução 3 D (visão superior) que mostra o deslocamento da AEC. 

Técnica cirúrgica

Optamos por usar uma modificação da técnica do "oito", 7baseados nos estudos de Spencer et al., 8 and 9que fizeram um estudo com cadáveres a fim de comparar a resistência de três diferentes técnicas de reconstrução: reconstrução com o tendão semitendinoso em "oito", o reforço com o uso do tendão subclávio e a reconstrução do ligamento intramedular. Concluíram que a reconstrução em "oito" foi a técnica mais resistente para deslocamentos esternoclaviculares anteriores.

A anestesia geral foi induzida com o paciente na posição de decúbito dorsal com o tronco inclinado a 40°. A incisão longitudinal de 10 cm foi feita no nível da AEC. A articulação foi completamente luxada anteriormente para separar o disco da clavícula. O espaço articular e os tecidos adjacentes estavam preenchidos com tecido cicatricial e os ligamentos esternoclaviculares anterior e posterior e o costoclavicular estavam rompidos. O tecido da cicatriz foi removido e a dissecção subperiosteal e sutil da clavícula proximal foi feita a fim de evitar danos ao tronco braquiocefálico e outras estruturas posteriores, o que restaurou a mobilidade da clavícula e permitiu a redução. Retiramos o tendão palmar longo ipsilateral de 20 cm ( fig. 6) e o reparamos com sutura tipo Krakow com fios de polietileno de alta resistência. Dois túneis anterossuperior e anteroinfeiror de 3,5 mm foram feitos na extremidade proximal da clavícula e esterno a 15 mm da face articular. Os furos eram comunicados na intramedular e exteriorizados pela face articular de ambos os lados. O enxerto foi passado pelos orifícios em forma de oito modificado e suas extremidades foram suturadas conjuntamente ( Figura 7and Figura 8). A estabilidade da AEC foi então testada com os movimentos do ombro e se evitou a extensão máxima.

Figura 6 Enxerto do tendão palmar longo autólogo ipsilateral sendo preparado. 

Figura 7 Momento intraoperatório que mostrando a passagem do tendão pelos túneis ósseos nas extremidades medial da clavícula e articular do osso esterno. 

Figura 8 Articulação reduzida com o enxerto amarrado. 

Pós-operatório

O paciente foi imobilizado com tipoia americana por quatro semanas. Após esse período a tipoia foi removida e movimentos ativos foram permitidos. Em oito semanas foi iniciado um programa de fortalecimento muscular e exercícios contra resistência.

No fim de seis meses de seguimento o paciente não apresentava dor ou instabilidade quando solicitada a AEC ( fig. 9). Um discreto desconforto e uma ligeira saliência da AEC permaneceram, mas não afetaram suas atividades, o que permitiu a volta às pistas de corrida com seis meses de pós-operatório.

Figura 9 Seis meses de pós-operatório que mostram boa redução da articulação esternoclavicular direita. Não mais observamos a proeminência da clavícula direita. 

Discussão

Este estudo procurou mostrar uma modificação da técnica de reconstrução em "oito" para as luxações anteriores da AEC. A reconstrução usa o palmar longo e evita o tendão do semitendineo e, consequentemente, uma morbidade maior. O paciente apresentou excelente estabilidade da AEC após dois anos de seguimento com a restauração completa da amplitude de movimento e melhoria dos sintomas, inclusive da incomum dificuldade de deglutição que apresentava.

A maioria dos casos de luxação anterior da AEC aguda é tratada conservadoramente. No entanto, essas lesões, muitas vezes, podem evoluir para instabilidade crônica. Nenhum tratamento adicional deve ser aplicado se o paciente não referir dor ou desconforto (raro nas luxações anteriores). 10 and 11Deve-se avaliar criteriosamente cada caso, a fim de diferenciar luxação crônica de instabilidade crônica. Intervenções cirúrgicas podem ser benéficas para os pacientes com luxação anterior crônica da AEC que apresentam instabilidade, desconforto ou dor. 3

Estudos mostram bons resultados funcionais com o uso de enxertos autólogos do tendão palmar longo para reconstrução da AEC. 12 13 and 14Essa técnica é biológica e, portanto, sujeita a menos complicações se comparada com o uso de placas e outros implantes. Mesmo com bons resultados, as placas podem causar complicações inerentes aos implantes não biológicos, bem como a necessidade de retirada. Os usos de aloenxertos ainda traz o risco de infecção. Optamos pelo uso do palmar longo por apresentar baixa morbidade no sitio doador, além de fácil retirada. Sabemos que em torno de 30% das pessoas o palmar longo é ausente e nossa segunda escolha seria o semitendíneo.

Várias técnicas para reconstrução da AEC foram introduzidas, incluindo fixação com placas, fixação com âncoras, fixação da cápsula e do disco articular, reconstrução em "oito" com enxerto de tendão autólogo e reconstrução com enxerto da fáscia esternocleidomastóidea. 1 4 and 15Ressecções da porção medial da clavícula também foram relatadas. O tratamento ideal permanece desconhecido, já que há poucos estudos com resultados em longo prazo. Friedrich et al. 15relataram bons resultados clínicos com o tendão do grácil autólogo como enxerto na reconstrução em "oito" para um caso de luxação esternoclavicular anterossuperior crônica. Bae et al. 1relataram boa estabilização em nove pacientes que foram submetidos a reconstrução da AEC com o enxerto entrelaçado em "oito" através de túneis pré-perfurados. Poucos estudos relataram vantagem na reconstrução em "oito" relacionada a estabilidade primária. Spencer e Kuhn 9fizeram um estudo com cadáveres a fim de comparar a resistência de três diferentes técnicas de reconstrução: reconstrução com o tendão semitendinoso em "oito", reforço com o uso do tendão subclávio e reconstrução do ligamento intramedular. Concluíram que a reconstrução em "oito" foi a técnica mais resistente para deslocamentos esternoclaviculares anteriores. Além disso, uma recente revisão sistemática de relatórios clínicos mostrou que a técnica de reconstrução que envolve enxerto de tendão em "oito" foi mais resistente do que outras técnicas para o tratamento da instabilidade crônica da AEC.

Enxertos autólogos comumente usados nas reconstruções da AEC são o grácil, o semitendíneo, o palmar longo e os tendões plantares. 12 14 and 15Enxertos autólogos são usados a fim de evitar o riscos de infecção e para facilitar a integração do tecido, com o objetivo de um resultado positivo em longo prazo. Entre enxertos autólogos, acreditamos que o tendão do grácil e o do palmar longo, como por nós usado, sejam os ideais, pois o seu diâmetro resulta em menor morbidade. Os resultados em médio prazo do nosso paciente confirmaram esses achados, já que não houve morbidade à área doadora.

Um passo potencialmente perigoso na nossa técnica é a perfuração de túneis no esterno e na clavícula, devido ao risco de lesão das estruturas nobres posteriores. 10Portanto, as saídas dos orifícios no esterno e na clavícula devem ser protegidas com o uso de um afastador, a fim de evitar esse tipo de lesão.

Conclusão

Nosso estudo apresentou um caso de luxação anterior crônica da articulação esternoclavicular (AEC) tratado com sucesso com o uso de uma modificação da reconstrução em "oito". Essa técnica mostrou ser segura e eficaz e permitiu um retorno total às atividades esportivas do paciente.

REFERÊNCIAS

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POR:

Bernardo Barcellos Terra2 

Leandro Marano Rodrigues2 

David Victoria Hoffmann Pádua2 

Marcelo Giovanini Martins2 

João Carlos de Medeiros Teixeira2 

Anderson De Nadai2 



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