Artigo: Reabilitação de limitações decorrentes de luxação da articulação interfalangeana proximal
1. Introdução
A função manual humana é amplamente representada pela habilidade em utilizar os dedos em movimentos de apertar, levantar e manipular objetos entre a polpa do polegar e um dos quatro demais dedos (RANGANATHAN et al., 2001). A mão é, segundo Schröder (2007), a nossa melhor e insubstituível ferramenta de preensão e permite intervir no meio ambiente de acordo com determinado desejo.
Boscheinen-Morrin et al. (2002) afirmam que as articulações do dedo consistem de duas extensões ósseas recobertas por cartilagens mantidas juntas por uma cápsula articular que é fortalecida em ambos os lados por ligamento colateral e superfície palmar pela placa palmar (aponeurose palmar). As articulações interfalangeanas, conforme Prentice e Voight (2003) são bicondilares de dobradiça, que permitem a flexão e extensão. Estes movimentos ocorrem ao redor de um eixo de movimentação rádio-ulnar (SCHRÖDER, 2007). Os ligamentos colateral e acessório estabilizam a articulação na região lateral. O primeiro é tenso na extensão e frouxo na flexão (PRENTICE e VOIGHT, 2003).
A luxação aguda mais freqüentemente encontrada é a da interfalangeana proximal (IFP) (CAILLIET, 2004). As luxações dos dedos longos são classificadas de acordo com o sentido de luxação e podem ser: dorsal, palmar e lateral Schröder (2007). Dos três tipos de luxação, o mais comum é a luxação dorsal (ANDREWS, HARRELSON e WILK, 2000). Prentice e Voight (2003) afirmam que as luxações dorsais ocorrem com muito mais freqüência nos esportes (quando comparada com a volar). O tipo dorsal, segundo Andrews, Harrelson e Wilk (2000) e Schröder (2007), envolve luxação da falange média na direção dorsal, acarretando em laceração distal da lâmina palmar que acaba separando-se de sua inserção na falange média, de forma que o membro central luxa para o lado dorsal. O mecanismo de lesão por Schröder (2007) e Cailliet (2004), é devido à ação de uma força axial, ligada a uma hiperextensão.
Os autores Prentice e Voight (2003) e Andrews, Harrelson e Wilk (2000) concordam que as luxações da IFPs são muito comuns, a ponto de serem negligenciadas com fratura e com recuperação e tratamento inadequado. O atleta pode nem chamar a atenção do treinador para a lesão, e, sim, apenas puxar o dedo de volta para o lugar, sozinho. Schröder (2007) afirma que eventualmente, os pacientes repõem a articulação espontaneamente no local do acidente, por meio de uma tração em sentido longitudinal. Caso a articulação da IFP do dedo esteja luxada no sentido dorsal, a redução imediata (geralmente feita pelo médico) é a preferida. As radiografias asseguram que não há fratura (PRENTICE e VOIGHT, 2003).
Os sintomas descritos por Schröder (2007) são: típicas posições incorretas das articulações, edemas e dores. Boscheinen-Morrin et al. (2002) relatam que as possíveis complicações são dor, edema, rigidez, contratura em flexão e instabilidade. As articulações interfalangeanas prontamente apresentam uma rigidez em flexão em razão de fibrose da placa palmar. Cailliet (2004) afirma que edema residual, rigidez articular e aderência do mecanismo flexor devem ser evitados. O tratamento fisioterapêutico é, desta forma, essencial na fase de reabilitação e tem como objetivo, segundo Boscheinen-Morrin et al. (2002) reduzir dor e edema, recuperar a amplitude de movimento (ADM) e prevenir contraturas em flexão. Conforme Schröder (2007), pode iniciar depois de dois ou três dias com exercícios de movimentação. Considerando as informações expostas, o objetivo principal deste estudo foi descrever tratamento na reabilitação de luxação de interfalangeana proximal do dedo anular.
2. Relato do caso
Sujeito do sexo masculino, 32 anos, diagnóstico médico de luxação de interfalangeana proximal do dedo anular. A queixa principal do paciente consistiu em limitação do movimento e dor. Relata história de lesão durante jogo de futebol, na posição de goleiro. Foi levado à emergência, onde realizou exame radiográfico com definição do diagnóstico de luxação dorsal da IFP do 4o dedo do membro superior direito (MSD) e foi imobilizado com gesso, permanecendo com o mesmo durante três semanas. Em seguida, utilizou tala por dez dias, sendo então encaminhado para fisioterapia. No momento da avaliação, o paciente queixou-se de limitação do movimento, referindo melhora do quadro álgico, com ausência de dor. À inspeção e palpação inicial revelou presença de edema residual e flexão em repouso. As mobilidades passiva e ativa apresentaram-se alteradas quando comparada ao lado contralateral. Durante a goniometria da articulação IFP verificou-se uma flexão em repouso de 25o, os resultados da goniometria da flexão e extensão da articulação IFP do 4o dedo do MSD são apresentados na Tabela 1 e comparados com valores de referência apresentados por Marques (2003).
Tabela 1. Goniometria de flexão e de extensão da interfalangeana proximal do 4º. dedo do membro superior direito e valores de referência antes do tratamento fisioterapêutico.
Amplitude de movimento | Direito | Valores de referência |
Flexão de IFP do 4o dedo do MSD | 25o – 66o | 0 – 110o |
Extensão de IFP do 4o dedo do MSD | 25o – 25o | 0 – 10o |
Durante a avaliação foram testados diferentes movimentos de preensão: preensão com a ponta dos dedos, preensão com a polpa dos dedos, preensão lateral dos dedos, preensões pluridigitais, preensões da palma da mão e preensões dependentes da gravidade. O paciente foi capaz de realizar todos os movimentos, entretanto a manutenção das preensões dos dedos com resistência manual não foi possível. Adicionalmente, segundo relato do paciente sente dificuldade em segurar sabonete, abrir basculante do banheiro e segurar xícara.
Os objetivos do tratamento fisioterapêutico foram: aumentar a amplitude de movimento de flexão e extensão da IFP do 4o dedo do MSD, diminuir o edema residual, evitar deformidades e melhorar funcionalidade de movimentos de atividades de vida diária relacionados à limitação. Para tanto, foi traçado o seguinte plano de tratamento: exercícios de mobilização ativa em turbilhão aquecido; terapia manual com massagem transversa, deslizamento superficial; alongamento ativo de flexores e extensores de punhos e dedos; mobilização ativo-assistida com a técnica de Mulligan; alongamento do tendão flexor; mobilização ativa da IFP com uso de bolas, toalha e massa de modelar pra aumento de flexão e extensão da IFP; fortalecimento de músculos flexores e extensores dos dedos com resistência de banda elástica e Digiflex 4,2 kgf.
Como resultado, obteve-se os seguintes ganhos: redução do edema residual (à inspeção e palpação), aumento da ADM da IFP do 4o dedo tanto em movimentos de flexão, quanto de flexão. A goniometria da IFP do 4o dedo comparados com dados referentes à ADM dos ângulos articulares de flexão e extensão estão apresentados na Tabela 2. Durante os testes de preensão digital - preensão com a ponta dos dedos, preensão com a polpa dos dedos, preensão lateral dos dedos, preensões pluridigitais, com resistência manual - foi observado resultados compatíveis aos do membro contralateral. Na avaliação subjetiva do paciente relatou percepção de melhora dos movimentos durante as atividades de vida diária.
Tabela 2. Goniometria de flexão e de extensão da interfalangeana proximal do 4º. dedo do membro superior direito e valores de referência após tratamento fisioterapêutico.
Amplitude de movimento | Direito | Valores de referência |
Flexão de IFP do 4o dedo do MSD | 0o – 94o | 0 – 110o |
Extensão de IFP do 4o dedo do MSD | 0o – 8o | 0 – 10o |
3. Discussão
Em se tratando de luxação da IFP, a preocupação inicial, segundo Prentice e Voight (2003), é a exclusão de fratura e reposicionar a articulação lesada. Andrews, Harrelson e Wilk (2000) descreve que muitas vezes as luxações são reduzidas no local do acidente pelo técnico, preparador físico, médico/atleta. Boscheinen-Morrin et al. (2002) relatam que o alinhamento articular deve ser conferido radiograficamente após a redução. No presente caso, a redução foi realizada em hospital principalmente já que o paciente não era atleta de alto nível. Desta forma, fratura e lesão dos tecidos moles foram excluídas por meio de exame radiográfico.
O tratamento inicial, conforme Cailliet (2004), após a redução demanda atenção para remoção do edema e na imobilização da IFP em 25o a 45o de flexão. O grau exato depende da estabilidade articular. Andrews, Harrelson e Wilk (2000) descrevem imobilização em goteira dorsal para bloqueio em extensão, com articulação IFP em 25o a 30o de flexão por 2-3 semanas Para Boscheinen-Morrin et al. (2002), as razões da imobilização são: edema considerável que pode ser agravado pelo uso de splint no dedo e a extensão da IFP é bem mais controlada com as articulações metacarpofalangeanas mantidas em flexão. Prentice e Voight (2003) relatam aplicação de Coban a fim de reduzir o edema, e também aplicação de tala protetora ou bandagem.
Após os períodos iniciais de imobilização, são iniciados exercícios ativos protegidos de ADM, para proteger a lâmina volar e a hiperextensão (ANDREWS, HARRELSON e WILK, 2000). Cailliet (2004) defende que, quando a dor e edema diminuem (entre 7 e 10 dias) a movimentação deve ser iniciada para evitar a aderência dos mecanismos flexores, especialmente da placa volar. Após a fase de proteção, o atleta é instruído para progredir aos exercícios plenos e ativos de ADM. Boscheinen-Morrin et al. (2002) afirmam que, a partir da quarta semana, a rigidez residual pode ser tratada através da mobilização articular passiva e os exercícios resistidos somente são iniciados na oitava e décima semanas após a lesão. Como o paciente teve início do tratamento 12 semanas após a lesão, encontrava-se apto para realização de exercícios compatíveis com o último estágio da reabilitação.
A dor, que quando presente pode aumentar e promover contratura em flexão (CAILLIET, 2004) já havia sido superada em período anterior ao tratamento. Por isso, progrediu-se com: técnicas para diminuição do edema residual, aumento da ADM da IFP nos movimentos de flexão e extensão, e alongamento e fortalecimento. A seguir serão apresentados dados da literatura relacionados ao tratamento utilizado para luxação da IFP no presente estudo.
A sessão iniciava-se com movimentos ativos do MSD imerso no turbilhão aquecido. Segundo Starkey (2001) este recurso promove aumento da circulação e efeito sedativo e analgésico sobre os nervos sensoriais pela turbulência de água na corrente. É indicado em casos de diminuição da ADM. O mesmo autor relata que a presença de água cria um bom meio de suporte para exercícios ativos de ADM. A temperatura utilizada no turbilhão é classificada conforme Schröder (2007) em calor neutro, promovendo relaxamento muscular e redução de dores. Andrews, Harrelson e Wilk (2000) sugerem a realização de exercícios em turbilhão com água quente como excelente maneira de soltar as articulações rígidas, desde que a tumefação não constitua um problema.
Em seguida, massagem de tecidos moles, que, conforme Andrews, Harrelson e Wilk (2000) é prescrita constantemente para soltar uma articulação rígida. O alongamento ativo de flexores e extensores de punhos e dedos eram também realizados, sendo estas descritas por Andrews, Harrelson e Wilk (2000) dentre as técnicas de tratamento. Outra técnica, de mobilização articular, denominada Mulligan, foi utilizada para assegurar reequilíbrio do jogo articular. Andrews, Harrelson e Wilk (2000) acrescentam, ainda, exercício para deslizamento dos tendões com fechamento das mãos por etapas, com cuidado para que haja flexão plena sem perda de extensão. Não realizar flexão se estiver sendo comprometida a extensão dos dedos. Esta situação esteve presente durante sessões em que este exercício era aplicado em conjunto com outras técnicas para aumento da flexão da IFP. Para recuperação da extensão, foram focados exercícios extensores da IFP.
São descritos também, uso de inúmeros dispositivos para aumento de ADM, entre eles: massa de modelar, bolas de espuma, panos úmidos e até dispositivos de preensão com resistência (ANDREWS, HARRELSON e WILK, 2000). Schröder (2007) relata que a massa de modelar é empregada para melhorar a mobilidade dos dedos. Ajuda em exercícios objetivos que visam ampliar a mobilidade e deixar os dedos mais ágeis; Schröder (2007) acrescenta, ainda, uso de bolas de espuma no tamanho de uma bola de tênis, para um alongamento cuidadoso da primeira dobra entre os dedos. A utilização de diferentes objetos como toalha, massa de modelar e bolas de espuma foram adotadas durante os exercícios para aumento de ADM.
Entre os exercícios de fortalecimento dos dedos, Andrews, Harrelson e Wilk (2000) afirmam que todos os exercícios de ADM podem ser usados como exercícios de fortalecimento com a utilização de resistência manual/faixas elásticas com ligeira resistência. Foram utilizados faixas elásticas e Digiflex (4,2 kgf) para exercícios de fortalecimento e resistência muscular.
Andrews, Harrelson e Wilk (2000) relatam que durante o tratamento, após demonstrar as técnicas corretas a serem adotadas com os exercícios, o atleta é estimulado a assumir a responsabilidade pela realização por conta própria dos exercícios várias vezes ao dia. Neste aspecto, o paciente mostrou-se colaborativo e interessado na sua recuperação, com participação ativa no tratamento e inclusão dos exercícios propostos nas suas rotinas. Isto contribui de maneira decisiva para o sucesso do tratamento e a alta da reabilitação.
O tratamento fisioterapêutico atingiu suas metas proporcionando: aumento da amplitude de movimento da articulação IFP tanto em movimentos de flexão quanto extensão, aumento da resistência muscular nas preensões digitais, e diminuição do edema residual, além de prevenir a contratura em flexão da articulação foco do estudo. Desta forma, atividades funcionais básicas relacionadas aos movimentos das mãos e dedos durante as atividades de vida diária foram preservadas, o que representa, também, manutenção da qualidade de vida deste paciente.
Referências bibliográficas
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ANDREWS, J. R.; HARRELSON, G. L.; WILK, K. E. Reabilitação física das lesões desportivas. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
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BOSCHEINEN-MORRIN, J.; DAVEY, V.; CONOLLY, W. B. A mão: bases da terapia. 2. ed. Barueri: Manole, 2002.
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CAILLIET, R. Dor na mão. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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MARQUES, A. P. Manual de goniometria. 2. ed. Barueri: Manole, 2003.
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PRENTICE, W. E.; VOIGHT, M. L. Técnicas em reabilitação musculoesquelética. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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RANGANATHAN, V. K.; SIEMIONOW, V.; SAHGAL, V.; LIU, J. Z.; YUE, G. H. Skilled Finger Movement Exercise Improves Hand Function. Journal of Gerontology. v. 56, p. M518-M522, 2001.
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SCHRÖDER, B. Terapia para as mãos. São Paulo: Phorte, 2007.
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STARKEY, C. Recursos terapêuticos em fisioterapia. Barueri: Manole, 2001.
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