Artigo - Alongamento muscular na dor lombar crônica inespecífica: uma estratégia do método GDS
A lombalgia crônica é definida como a dor localizada entre a margem costal e a prega glútea inferior, com ou sem irradiação para membros inferiores, que persiste por pelo menos 12 semanas1. Um diagnóstico específico não é feito em 80% dos casos, permanecendo baseado na localização da dor e na sua duração2. Aproximadamente 90% dos casos têm resolução espontânea em seis semanas, sendo que de 2 a 7% se tornam crônicos3. A cronicidade e a incapacidade funcional são problemas relacionados à lombalgia e, apesar do grande investimento no tratamento, o sucesso permanece baixo4.
Na Fisioterapia, a cinesioterapia é a primeira linha de escolha1,5,6, sendo o alongamento, especialmente o estático7,8, muito utilizado. Rosário, Marques e Maluf9 relataram ser de 30 segundos o tempo ideal de alongamento para músculos de adultos saudáveis.
O método de cadeias musculares e articulares Godelieve Denys-Struyf (GDS) utiliza o alongamento estático como uma das estratégias de tratamento da lombalgia, avalia a cadeia muscular relacionada à dor e utiliza massagens, estabilização lombar e conscientização corporal, além do alongamento, para restabelecer o equilíbrio dos músculos e articulações da região lombopélvica10,11. Em relação ao alongamento, propõe-se o início pelas cadeias posteriores para melhorar a flexibilidade dos músculos rotadores externos do quadril; a seguir, alongam-se as cadeias anteriores, principalmente os rotadores internos, flexores e adutores do quadril; por último, são alongados os músculos extensores do quadril, flexores do joelho e da perna e das cadeias posteriores. Para GDS, a flexibilidade do quadril melhora a postura lombopélvica e protege a coluna lombar de alterações biomecânicas10.
Diretrizes internacionais1 sugerem a realização de pesquisas para analisar as especificidades dos exercícios usados na lombalgia, assim, este estudo tem como objetivo avaliar o efeito do alongamento, utilizando uma sequência de exercícios definida pelo método GDS na dor, incapacidade funcional, flexibilidade global e capacidade de contração do músculo transverso do abdome (TrA), em pacientes com dor lombar crônica inespecífica.
METODOLOGIA
Foram recrutados 62 indivíduos com lombalgia na Clínica de Fisioterapia do Centro Universitário Vila Velha (UVV), no Espírito Santo. Sete deles abandonaram o tratamento e 55 foram divididos aleatoriamente em dois grupos: Grupo Alongamento (n=30) com 15 homens e 15 mulheres, submetidos a alongamentos, e Grupo Controle (n=25) composto por 15 mulheres e 10 homens, não-tratados. No sorteio, o primeiro paciente participaria do Grupo Alongamento, o segundo do Controle e, assim, sucessivamente, conforme ordem de chegada à clínica.
Foram incluídos pacientes com diagnóstico clínico de lombalgia inespecífica crônica, que tinham entre 18 e 60 anos e foram excluídos os que tinham doenças cardiovasculares descompensadas; distúrbios psiquiátricos; doenças infectocontagiosas; disfunções neurológicas; tumor ou cirurgia na lombar, pelve e membros inferiores; artrose de quadril; mulheres grávidas ou no puerpério; índice de massa corporal - IMC>30; pacientes realizando Fisioterapia e os que não realizaram todas as sessões de fisioterapia e avaliações.
O cálculo amostral considerou 80% de poder estatístico, desvio padrão de dois pontos, melhora minimamente significante de 20% e nível de significância de 5%.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UVV, registro nº 112/2008 e todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Procedimentos e intervenção
Os participantes realizaram três avaliações: inicial (A1), após oito semanas (A2) e após 16 semanas da inicial (A3), por uma única pesquisadora. No Grupo Alongamento, A1 correspondeu à avaliação pré-tratamento; A2 ao pós-tratamento e A3 a oito semanas após término do tratamento.
A dor foi avaliada pela escala visual analógica12,13, uma escala de 10 cm na qual os pacientes assinalavam seu nível álgico. Valores de 0 a 3 correspondem à dor leve, 4 a 7 à moderada e 8 a 10 à intensa.
A incapacidade funcional foi avaliada pelo Índice de Incapacidade de Oswestry14, validado para língua portuguesa15, sendo a interpretação realizada em porcentagem: 0 a 20%, incapacidade mínima; 21 a 40%, incapacidade moderada; 41 a 60%, incapacidade severa; 61 a 80%, invalidez; e 81 a 100%, paciente acamado ou exagera nos sintomas16.
A flexibilidade global foi avaliada pelo teste do terceiro dedo ao solo. Os pacientes realizavam uma flexão anterior do tronco, na tentativa de tocar o solo com os dedos e media-se a distância, com fita métrica flexível17,18.
A capacidade de contração do TrA foi verificada pela unidade de biofeedback pressórica (UBP), marca Chantanooga, um transdutor pressórico com bolsa inflável não-distensível, um catéter e um esfigmomanômetro. A habilidade de deprimir o abdome contra a coluna lombar diminui a pressão na bolsa, que é registrada pelo esfigmomanômetro. A redução pressórica de 4 a 10 mmHg, a partir de 70 mmHg, é considerada como ótima contração do TrA19.
A UBP é um método de baixo custo, não-invasivo e de fácil utilização20. Durante a medida, a bolsa foi inflada a 70 mmHg e posicionada entre as espinhas ilíacas anterossuperiores e a cicatriz umbilical, com o paciente em decúbito ventral. Foi solicitada a contração do TrA, levando o abdome em direção à coluna, sem movimentos lombopélvicos, mantendo respiração calma. Três contrações foram realizadas durante a expiração, mantidas por 10 segundos e o valor médio foi registrado.
Os pacientes do Grupo Alongamento foram submetidos a 16 sessões de 40 minutos, duas vezes por semana. Realizaram seis tipos de alongamento, durante 30 segundos e mesmo tempo de descanso, os exercícios foram repetidos três vezes em cada membro e foram acompanhados por uma fisioterapeuta com formação no Método GDS.
Os dois primeiros exercícios foram realizados para alongar músculos rotadores externos e extensores do quadril das cadeias posterolaterais; o terceiro foi para flexores e rotadores internos do quadril, das cadeias anteroposteriores e anterolaterais; o quarto para adutores do quadril, das cadeias anteromedianas e os dois últimos para extensores do quadril, joelho e perna, das cadeias posteromedianas.
O Grupo Controle não foi tratado, somente avaliado. Após A3, os pacientes foram encaminhados à Fisioterapia da Clínica da UVV.
Análise estatística
Verificou-se a normalidade dos dados pelo teste Kolmogorov-Smirnov. Os grupos foram analisados nas avaliações A1, A2 e A3. Utilizou-se o teste t de Student para dados antropométricos e clínicos. A dor, incapacidade, flexibilidade e capacidade de contração do TrA foram submetidas aos testes de Friedman da ANOVA de fator único, com medidas repetidas e Tukey na análise intragrupo e à ANOVA de fator único com medidas repetidas e teste de Holm-Sidak na análise entre grupos. Utilizou-se o programa SigmaStat, versão 3.5, e considerou-se o nível de significância α<0,05.
RESULTADOS
Características antropométricas e clínicas dos grupos são mostradas na Tabela 1. Não houve diferença significante em nenhuma das variáveis (p>0,05). No Grupo Controle, 60% dos indivíduos eram mulheres e, no Grupo Alongamento, a distribuição foi homogênea (50%).
Houve 11% de desistência: 6,2% no Alongamento e 4,8% no Controle. A principal causa foi retorno ao trabalho, após licença-saúde. Não houve diferença significante nas variáveis estudadas entre o Grupo Alongamento e os pacientes desistentes.
A Tabela 2 apresenta dados dos grupos estudados, em três avaliações. O Grupo Alongamento mostrou diferença significante na dor, incapacidade e flexibilidade (p<0,001) entre as três avaliações, o mesmo foi observado entre A1 e A2 e A1 e A3 (p<0,05). Não houve diferença entre A2 e A3 (p>0,05), mostrando que os indivíduos mantiveram os ganhos após oito semanas. Não houve diferença na capacidade de contração do TrA nas três avaliações (p=0,13). O Grupo Controle não apresentou diferenças entre A1, A2 e A3 em nenhuma das variáveis.
A Tabela 3 mostra a comparação entre os grupos estudados. Houve diferença significante entre os grupos na dor, incapacidade e flexibilidade (p<0,001), não houve diferença na capacidade de contração do TrA (p=0,07). Nos testes post hoc, houve diferença significante entre: A2 do Grupo Alongamento e os três momentos do Grupo Controle (p<0,05) na dor, incapacidade e flexibilidade, o mesmo foi encontrado entre A3 do Grupo Alongamento e os momentos A1, A2 e A3, do Grupo Controle. Não houve diferença entre A3 do Grupo Alongamento e A2 do Controle (p=0,10) na flexibilidade global.
DISCUSSÃO
Os exercícios para lombalgia são divulgados e recomendados1. Contudo, são raros estudos que utilizam técnicas isoladas para comparar o efeito do tratamento com um Grupo Controle não-tratado11,21-23. Este estudo comparou o efeito do alongamento, de forma isolada, utilizando uma sequência de exercícios definida pelo método GDS, com um Grupo Controle não-tratado, na dor lombar crônica inespecífica. Encontrou-se redução da dor, incapacidade funcional e aumento da flexibilidade global somente no Grupo Alongamento. Não foi encontrada melhora na capacidade de contração do TrA.
Os presentes resultados mostraram que a dor diminuiu de moderada para leve e a incapacidade, de moderada para mínima, após o tratamento com alongamentos. Os ganhos obtidos se mantiveram depois de oito semanas. A redução da dor e, consequentemente da incapacidade, foram atribuídas à melhora da flexibilidade global. Músculos flexíveis diminuem o estresse compressivo articular, melhoram a postura e mobilidade lombopélvica e do quadril, facilitando o reaprendizado motor funcional desta região9,10,24. Resultados semelhantes foram encontrados por Díaz Arribas et al.11, os quais compararam o método GDS com eletrotermoterapia na lombalgia inespecífica, verificando redução da dor e incapacidade no Grupo GDS. Porém, neste estudo, os autores associam diversas técnicas de tratamento, inclusive alongamento, no Grupo GDS, não esclarecendo o efeito de cada modalidade no tratamento da lombalgia.
Em relação à flexibilidade global, somente no Grupo Alongamento foram encontrados ganhos após o tratamento e depois de oito semanas. Resultados semelhantes foram encontrados, por Sugano e Nomura25, em pacientes com lombalgia tratados com alongamento. A melhora da flexibilidade pode ser atribuída ao aumento no número de sarcômeros em série na fibra muscular e melhora nas propriedades viscoelásticas musculotendíneas26,27. Hiperatividade dos músculos superficiais do tronco28 e alterações na ativação muscular, especialmente cocontração dos agonistas e antagonistas do quadril29, podem ocorrer na lombalgia crônica, causando rigidez, limitação de movimentos e cargas compressivas na região lombopélvica, que são fatores de risco para degeneração e dor30-32. Assim, técnicas que melhoram a flexibilidade, como a utilizada neste estudo, podem diminuir a dor e a incapacidade funcional.
Após o término do tratamento, os resultados obtidos tiveram pequenas perdas em relação à dor, incapacidade funcional e flexibilidade, o que leva os autores a sugerirem que o alongamento deve ser incorporado ao cotidiano dos pacientes.
Não encontrou-se melhora na capacidade de contração do TrA nos grupos estudados, verificando que o alongamento não alterara efetivamente a atividade motora deste músculo. Uma vez que pacientes com lombalgia crônica podem apresentar hipoatividade dos músculos profundos do tronco, entre esses, o TrA, gerando instabilidade lombar e alterações posturais33,34, sugere-se a associação de atividades específicas para recrutamento dos músculos profundos do tronco aos alongamentos35-37.
Assim, o método das cadeias musculares e articulares GDS, ao associar técnicas de massagens, alongamentos, exercícios de estabilização, conscientização corporal e orientações para o cotidiano24, no tratamento da lombalgia, provavelmente, contribui de forma efetiva para a reorganização das cadeias musculares e articulares do corpo.
Neste estudo, não foi avaliada a relação terapeuta e paciente, pois, no Grupo Controle, não ocorreu intervenção ou relação terapêutica.
CONCLUSÃO
Os exercícios de alongamento, propostos pelo método de cadeias musculares e articulares GDS, foram eficazes na redução da dor, incapacidade funcional e no aumento da flexibilidade global, porém não melhoraram a capacidade de contração do músculo transverso do abdome em pacientes com dor lombar crônica inespecífica.
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IDoutora; Professora do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Vila Velha (UVV) - Vila Velha (ES), Brasil
IIDoutora; Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FOFITO/FMUSP) - São Paulo (SP), Brasil
IIIDoutor; Professor Doutor da UVV - Vila Velha (ES), Brasil
IVDoutor; Professor da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM) e da UNIVIX - Vitória (ES), Brasil
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